A gestão dos recursos e responsabilidade dos agentes públicos (*)
Por Luís
Barbosa Vicente
Num momento
em que a Guiné-Bissau é auxiliado por um programa de ajuda económica e
financeira urge encontrar meios que possibilitem reduzir a despesa do estado e
alavancar o processo de desenvolvimento do país.
Concluído o
processo de negociação do plano estratégico e operacional em Bruxelas é chegado
o momento de proceder a avaliação e montagem dos mecanismos de gestão e de
resposta às questões de controlo e de execução dos projetos previamente
negociados e comprometidos.
Na verdade
a obtenção dos recursos externos implicam maiores responsabilidades ao país uma
vez que importa acautelar determinados aspetos legais, políticos e técnicos,
nomeadamente o modelo de gestão e de governação dos fundos, que evidencia o
processo de contratação pública e da concorrência, a auditoria e os mecanismos
de controlo das contas públicas, o papel das autoridades fiscalizadoras, accountability
e a questão da transparência e participação em negócio dos agentes detentores
de cargos públicos, o plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações
associadas e, por último, o efeito multiplicador do investimento.
Em primeiro
lugar, parece-me importante acautelar, em relação ao modelo de gestão e de
governação, a arquitetura organizacional tendo em conta dois níveis de
coordenação, nomeadamente política e técnica, visando os objetivos seguintes: A simplificação,
privilegiando a segregação das responsabilidades para o exercício das funções
de orientação política e técnica, e valorizando o envolvimento dos parceiros; A orientação
para resultados, concretizada através da valorização dos resultados nas
decisões de financiamentos e a sua avaliação e consequências daí decorrentes na
gestão dos projetos. Por último, o estabelecimento de regras que assegurem
condições de transparência e de responsabilização dos agentes vinculados ao
processo.
Atuando
dessa forma, tornará possível evidenciar um conjunto de princípios que norteiam
todo o processo de gestão deste importante instrumento financeiro,
concretamente: Concentração - concentrar o apoio dos fundos num número limitado
de prioridades, tal como definido no plano estratégico e operacional aprovado; Disciplina
financeira e da integração orçamental - garantir a coerência entre a
programação dos fundos e a programação orçamental plurianual nacional; Transparência
e prestação de contas - garantir boas práticas de informação pública dos apoios
e da avaliação dos resultados obtidos.
Em segundo
lugar e no que se refere ao processo de contratação pública, é importante
proceder ajustamentos ao diploma dos concursos públicos face aos desafios que
se avizinham para o país, adaptando-o aos mecanismos de maior transparência,
rigor e celeridade em matéria de execução de contratos administrativos, tendo
em conta a relevância da atividade administrativa contratualizada, bem como a
indispensabilidade do controlo da despesa pública.
Por um
lado, é importante que a disciplina aplicável à contratação pública tenha em
consideração a fase de formação dos contratos, qualquer que seja a sua
designação e a sua natureza administrativa ou privada, a celebrar pelas
entidades adjudicantes. A referida disciplina deve aplicar-se, em especial, à
formação de contratos cujo objeto abranja prestações que, designadamente em
razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa
das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação, estão ou sejam
suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado. É importante
demonstrar que há espírito concorrencial e que a autoridade pública seja o
garante da indispensabilidade dessa norma que rege o mercado.
Por outro
lado, nunca é demais sugerir a exigência ao nível da qualificação dos
candidatos em sede de concursos públicos, nomeadamente a verificação do
preenchimento de requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade
financeira, protegendo dessa forma o investimento público e consequentemente a
execução dos projetos importantes para o país.
Ainda, no
que se refere à contratação pública, é importante instituir o fim da utilização
do suporte papel nos procedimentos de formação de contratos e consequente
desmaterialização do mesmo. Ou seja, suprimir a utilização do papel na
submissão de propostas e candidaturas e cessando também a figura do ato público
para verificar a conformidade de tais documentos, desenrolando-se todo o
procedimento de formação do contrato de forma eletrónica[1], aliás, este é um dos projetos que
poderá ser desenvolvido no âmbito da governação eletrónica que se encontra em
processo de discussão e implementação no país.
As
plataformas eletrónicas são meios eletrónicos compostos por um conjunto de
serviços e aplicações informáticos necessários ao funcionamento dos
procedimentos eletrónicos prévios à adjudicação de um contrato público,
constituindo as infraestruturas sobre as quais se desenrolam os procedimentos
de formação daqueles contratos.
Os impactos
da utilização das Plataformas Eletrónicas resultam no seguinte: Acréscimo da
transparência- a contratação eletrónica permite a partilha de informação entre
interessados, candidatos ou concorrentes, sob forma eletrónica e automática, em
relação às principais etapas do procedimento de contratação, como por exemplo:
- O anúncio do procedimento; - Acesso livre, através da plataforma, às
propostas dos outros concorrentes ou candidatos, bem como aos respetivos
documentos de habilitação; Redução dos custos de transação - reduz-se
drasticamente a documentação em papel, obtendo-se elevados níveis de qualidade,
eficácia e eficiência; Redução dos tempos de contratação - a utilização das
plataformas permite uma significativa redução dos prazos para receção de
propostas, associados aos diversos processos concorrenciais; Acréscimo da
competitividade - uma das consequências do anúncio do procedimento por via
eletrónica é o aumento dos potenciais interessados no concurso.
Permite
ainda maior valia da proposta selecionada, pois uma das consequências do
aumento da competitividade é, naturalmente, a possibilidade de se vir a obter
propostas mais vantajosas.
No que se
refere aos mecanismos de controlo, auditoria financeira e o papel das
autoridades fiscalizadoras, é importante ter em atenção os aspetos da
legalidade e certificação das contas por parte do promotor Estado, definindo
claramente os sistemas de controlo que garantem a boa execução dos projetos
tanto em termos estratégicos como financeiros e económicos, bem como a
responsabilização dos agentes que intervenham diretamente no processo.
Dessa
forma, talvez seria importante pensar num Sistema Nacional de Controlo que
teria por finalidade assegurar a correta, rigorosa e eficaz aplicação dos
recursos financeiros a serem disponibilizados pelos parceiros, constituído por
órgãos que exercem de forma articulada um sistema de controlo organizado em
três níveis: O controlo de primeiro nível teria a natureza de controlo interno
e compete às autoridades descentralizadas de gestão, compreende a fiscalização
dos projetos nas suas componentes material, financeira e contabilística, nos
locais de realização do investimento e das ações, certificando para o efeito
todos os processos técnicos e documentos comprovativos de despesa.
O segundo
nível traduz-se no controlo externo sobre a gestão. Abrange a análise e
avaliação do sistema de controlo de primeiro nível e, sempre que tal se mostre
necessário para testar a sua eficácia, o controlo sobre as decisões tomadas
pelos órgãos de gestão, bem como o controlo cruzado junto de outras entidades
envolvidas, a fim de ter acesso às informações consideradas necessárias ao
esclarecimento dos factos.
O controlo
de alto nível corresponde à coordenação global do sistema de controlo, cuja
responsabilidade é do Ministério das Finanças, através da Inspeção Geral das
Finanças, certificada pelo Tribunal de Contas. Concretiza-se através da
articulação e coordenação das atividades desenvolvidas pelos diversos serviços
e organismos que intervêm no sistema de controlo dos fundos, pela avaliação de
sistemas de gestão e controlo do primeiro e segundo níveis e pela interação com
as instituições parceiras e doadoras, designadamente, a comunicação das
irregularidades detetadas pelo sistema de controlo aos serviços competentes nos
termos que vierem a ser regulamentadas.
Em relação
a accountability, é considerada um aspeto central da governança,
tanto na esfera pública como na privada.
Por accountability ou responsabilização se quiserem, entende-se à “obrigação de
membros de um órgão administrativo prestar contas as instâncias
controladoras ou aos seus representados”. Significa que “quem desempenha
funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a
fazer, como faz, porque faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir”.
Não se
trata apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas, também, de
autoavaliar a obra/projeto feito e desenvolvido, de dar a conhecer o que se
conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou.
A obrigação
de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto maior quanto a função é
pública, ou seja, quando se trata do desempenho de cargos públicos pagos pelo
dinheiro dos contribuintes. É importante que se tenha este princípio como “mandamento”
e ser automaticamente acionado em circunstâncias que denotam responsabilidade civil, obrigações e prestação
de contas. Daí também ser importante o papel da sociedade civil e de uma
cidadania responsável e exigente face à responsabilidade e à prática
administrativa.
Na verdade,
citando Mozzicafreddo[2] (2003),
“uma prática administrativa e política, alheada das exigências dos cidadãos em
matérias de responsabilidade face à utilização dos recursos públicos
(menosprezando os programa de accountability, ou seja, a obrigação de responder
pelos atos e pelos resultados), face às decisões vinculantes que afetam os
indivíduos e face aos riscos e incertezas da sociedade, aprofunda o défice de
legitimidade e desempenho dos sistemas administrativo e político. Neste
sentido, o conceito de responsabilidade, que, no nosso entender, vai além da
noção de accountability, constitui um dos fundamentos contratuais da vida em
sociedade e da confiança nas instituições políticas e administrativas. O
conceito de responsabilidade assegura o princípio tanto da utilização e
prestação de contas dos recursos públicos e da autoridade política e
administrativa, como o princípio de precaução e segurança das sociedades cada
vez mais complexas".
Para a implementação
de todo este processo de reengenharia e de gestão de projetos é importante uma
aposta inteligente na capacitação institucional e na formação dos agentes da
administração pública.
Assim,
torna evidente uma necessária reforma da administração pública tendo em conta o
perfil dos seus agentes e qualidade de serviços que se pretende implementar,
apostando em competências técnicas e científicas necessárias para a execução
das políticas públicas tendentes a alavancar o país face aos recursos alocados
para o efeito.
Por último,
é importante que o efeito multiplicador do investimento seja tido em conta, ou
seja, que cada dólar/Euro/XOF investido seja multiplicado para outros tantos,
que seja o sinónimo de eficiência e de boa gestão dos recursos financeiros que
serão, em princípio, colocados à disposição do povo guineense através das
autoridades nacionais.
Por outro
lado, que cada investimento exibe a sua justificação própria, trate-se de uma
escola dotada dos meios de aprendizagem ou de um hospital, que estende à
região que vier a servir um patamar mais alto de cuidados de saúde. Ainda, que
cada troço de estrada construído, cada rua reabilitada, cada novo cais-porto,
aeroporto construído, etc., têm de ter uma razão de ser própria e que tenham
impacto social positivo junto das comunidades.
Junho de
2015
Luís
Barbosa Vicente
(*) Consta do livro «Guiné‑Bissau, das contradições politicas aos desafios do futuro» de Luís Barbosa Vicente, Editado pela Chiado Editora (2016).
[1] A implementação do
projeto da governação eletrónica é importante para se dar resposta a esta questão
de contratação pública.
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